SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Gritos, bombas, tiros, desespero: os sons que revelam o horror da guerra entre Israel e o Hamas

Especialista afirma que barulhos deixam marcas e podem gerar gatilhos em quem está vivenciando o conflito. Intensidade do impacto na saúde mental das vítimas varia de pessoa para pessoa.

Fonte: Vitória Coelho, g1 — São Paulo

Por: Wesley Bischoff, Marina Pinhoni

O conflito entre o grupo terrorista Hamas e Israel completou um mês nesta terça-feira (7). Desde o dia 7 de outubro, vídeos, fotos e áudios retratam os horrores no Oriente Médio. De lá para cá, são milhares de mortos e feridos em uma guerra sem prazo para acabar.
As gravações feitas diretamente de Israel ou da Faixa de Gaza mostram, além da destruição, os barulhos marcantes de gritos, bombas, tiros e do desespero de quem se vê preso em meio a um conflito armado.

O g1 reuniu os sons de alguns dos episódios mais traumáticos da guerra, até então. Entre as vítimas, são barulhos tão traumáticos que repercutirão por anos, com potencial de causar gatilhos ao longo de toda a vida — para isso, basta escutar qualquer som que possa remeter ao de um tiro ou de uma explosão de bomba, por exemplo.

Para quem está longe da guerra os sons incomodam e trazem mal-estar.


A psicóloga clínica Sofia Débora Levy, pós-doutora em Memória Social e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia, explica que todos esses sons registrados podem deixar marcas em quem está vivenciando o conflito.

"O som é um tipo de memória que atravessa o sujeito de uma forma que ele não tem como se defender ou filtrar. Você pode cobrir os ouvidos com as mãos para tentar reduzir um pouco, mas você fica vulnerável a esse estímulo", explica.

Esse tipo de impacto varia de pessoa para pessoa. Os civis, segundo a professora, podem sofrer uma marca mais intensa. Isso acontece porque eles não têm a mesma vivência que um militar ou, até mesmo, um terrorista, que estão treinados e são acostumados com barulhos do tipo. 

Gatilhos 
Os sons podem representar diferentes formas de estímulos. No caso das sirenes para alerta de ataque em Israel, Sofia explica que esse barulho já faz parte do cotidiano de quem mora no país.
Neste caso, em meio aos ataques, as pessoas podem ficar tensas e apreensivas. No entanto, os moradores costumam passar por treinamentos e aprendem que aquele som é um alerta de proteção.

No entanto, Sofia explica que os avisos da sirene precisam ser diferenciados dos ataques terroristas lançados. 

"O ataque terrorista tem um grau de impacto em que os barulhos e os sons são o próprio ataque à vida. O terror que é implantado vem com essa carga da covardia, porque são alvos civis", afirma. 
Quando se fala do impacto a longo prazo dos sons de uma guerra, Sofia explica que há uma série de fatores que precisam ser avaliados. Enquanto algumas pessoas podem criar certa resistência com o passar do tempo, outras continuarão sofrendo o impacto como se fosse a primeira vez.
"O que vai fazer a diferença é a capacidade, que varia de pessoa para pessoa, para criar estrutura de enfrentamento daquele mesmo tipo de estímulo. No caso de uma guerra, isso é muito difícil, porque é um risco de vida iminente, principalmente de população civil desarmada", diz.

Isso não significa que o barulho de uma explosão, por exemplo, deixará de criar uma sensação ruim ou de pânico. O que acontece, segundo a psicóloga, é que algumas pessoas podem entrar em um processo de adaptação.
Por outro lado, esse mesmo barulho pode gerar uma memória traumática que, futuramente, poderá despertar gatilhos. Como exemplo, a pós-doutora cita uma sobrevivente do holocausto entrevistada por ela.

A entrevistada, que nasceu na Romênia e teve a cidade tomada por nazistas quando criança, contou que os barulhos das sirenes de ataque provocaram impactos que duraram por toda a vida dela. 

"Já idosa, qualquer sirene que ela escutava fazia ela lembrar daquela época da infância, da época da guerra. Não era a mesma sirene. Poderia ser um carro de bombeiro, uma ambulância. Mas isso fazia ela recordar o medo de quando ouvia sirenes de bombardeio", contou Sofia. 

Estresse pós-traumático 
Em relação à saúde mental, ainda é muito cedo para dizer quais serão os impactos que os envolvidos no conflito poderão sofrer futuramente. Isso porque, além de a guerra ainda estar em andamento, algumas pessoas podem levar mais tempo para demonstrar sintomas.
Um exemplo é um caso de assalto a mão armada. A vítima, que corre risco de vida, reage diante do criminoso da forma como pode. Mesmo após o fim do momento de susto e violência, a pessoa leva um tempo para se recuperar.
A psicóloga Sofia Débora Levy diz que algumas pessoas podem evitar passar pela região do crime, por exemplo, até conseguir processar tudo o que aconteceu. Por outro lado, o trauma também pode gerar outras consequências psicológicas.

"Atualmente, em termos de diagnóstico, temos o que chamamos de estresse pós-traumático. É um conjunto de sintomas de alterações psicológicas e fisiológicas que a pessoa pode sentir mesmo após o fim do estímulo que causou esse trauma", explica.
Esses sintomas podem incluir insônia, pesadelos, insegurança, instabilidade emocional, falta de concentração, sensação de vazio existencial, estado depressivo, entre outros.
Mesmo que a situação traumática seja extremamente grave, como no caso de uma guerra, falar sobre o problema — inclusive com tratamento profissional — pode ajudar o paciente a conviver com as lembranças negativas. 

"A pessoa pode conseguir, com o tempo, a acomodação dessa vivência traumática. Isso para que essa vivência seja melhor integrada ao seu psiquismo, de modo que afete menos a sua atividade cotidiana."

 

 

 

 

 

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